Paquiderme abriu o olho (Carlos Chagas)
BRASÍLIA - Deve registrar-se hoje mais um sinal de que o paquiderme acordou, abriu um olho e poderá levantar-se. Sob a presidência do senador Heráclito Fortes, sem qualquer laivo de malícia, porque o paquiderme, no caso, é o Brasil, deverá a Comissão de Relações Exteriores do Senado exigir do governo reações mais concretas diante das provocações que temos sofrido de muitos de nossos “hermanos”. Para começar, o senador pelo Piauí pretende que todos os empréstimos feitos pelo BNDES a governos ou entidades estrangeiras sejam de início aprovados pelo Senado.
O principal da reunião desta manhã, porém, será o alerta ao palácio do Planalto, ao Itamaraty e à equipe econômica de que um pouco de orgulho nacional faz bem a qualquer governo. É preciso acabar com essa história de presidentes de países sul-americanos adotarem posturas de confronto com o Brasil, prejudicando negócios e negando contratos assinados, tudo para fazer média com seu público interno.
Heráclito Fortes não deixará de fulanizar a situação, referindo-se a Fernando Lugo, do Paraguai, Raul Correa, do Equador, Evo Morales, da Bolívia, e Hugo Chavez, da Venezuela. Cada um deles, à sua maneira, procura tirar proveito de nossa passividade, hostilizando a presença brasileira nas respectivas economias, acusando-nos de imperialistas e até rompendo acordos anteriores.
A iniciativa da Comissão de Relações Exteriores do Senado antecede encontro em Salvador, no próximo dia 15, de presidentes e chefes de estado de toda a América Latina, com direito à presença até mesmo de Raul Castro, de Cuba. Imagina-se não haver melhor oportunidade para o presidente Lula, mesmo abrindo os braços aos convidados, deixar claro que não aceitaremos sem reagir novas provocações do tipo cancelamento unilateral de dívidas, invasão de empresas brasileiras sediadas em seus territórios, ameaça de expulsão de nossos cidadãos assentados em propriedades limítrofes e sucedâneos.
No Congresso, cresce o sentimento de que o presidente Lula precisa deixar de ser “bonzinho e tolerante” diante de agravos variados. Temos investidos cerca de cinco bilhões de dólares em países da América Latina. Se a moda pega, logo seremos rotulados de “paraíso para os caloteiros”.
O futuro já chegou?
Também hoje, em reunião da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, o deputado João Paulo Cunha apresentará seu parecer a respeito da extinção da reeleição para presidente da República, governador e prefeito, sugerindo para eles um único mandato de cinco anos. Como quem não quer nada, o ex-líder da bancada do PT e ex-presidente da Câmara propõe o fim do segundo mandato disputado no exercício do primeiro, sustentando que a novidade entre em vigor no futuro, a partir dos próximas eleições.
É aqui que mora o perigo. Porque se o sucessor do presidente Lula, a ser eleito em outubro de 2010, tiver proibida sua reeleição em troca de mais um ano de governo, estará inaugurando um novo sistema político. Isso pode significar o apagador sendo passado no quadro-negro, ou seja, o que valia não valerá mais, iniciando-se um novo ciclo político-eleitoral. Para ele, todos os brasileiros na posse de seus direitos políticos poderiam candidatar-se. Inclusive ele, o Lula.
Nota-se, assim, que para o PT o futuro é agora, livre da sombra da derrota de Dilma Rousseff e pujante na certeza de que ninguém baterá o atual presidente da República, nas urnas. Juristas não faltarão para defender esse ponto de vista, mesmo caracterizado como um golpe de estado.
O passado era limpo
Tempo houve, cinqüenta ou sessenta anos atrás, que os bancos pagavam juros pelo dinheiro neles depositado pelos cidadãos. Havia até uma caderneta gratuitamente distribuída a cada correntista, para a anotação dos juros acrescidos a cada mês. Nenhum banco faliu por conta dessa obrigação.
As décadas passaram, os bancos cresceram e hoje somos nós, depositantes, que pagamos juros pelo dinheiro entregue aos cofres bancários. Além disso, também pagamos pela abertura, renovação e extinção de cadastros. E mais, pelo fornecimento de talões e folhas de cheque, pela transferência e exclusão dos próprios. Pior fica quando nos cobram juros de cheques especiais e de cartões de crédito, beirando os 150% ao ano.
Isso explica os lucros estratosféricos dos bancos, inclusive os estatais, sem que se fale em outras operações menos claras e restritas aos iluminados da ciranda financeira. Seria de esperar, ao menos, que à maneira do passado, a categoria dos bancários estivesse socialmente bem, com salários razoáveis. As famílias davam até festa quando um filho passava no concurso para o Banco do Brasil ou subia de patamar na escala funcional dos bancos privados. Ser gerente de banco era o clímax de carreiras estáveis e promissoras.
Agora, ser bancário é estar mergulhado na insegurança, tendo em vista a nenhuma estabilidade para quem trabalha no setor. Além de salários cada vez mais insignificantes, em meio à ditadura dos computadores. Por conta da recente crise econômica mundial, as demissões já começaram.
Um fio de bigode
Só falta o senador José Sarney acrescentar um fio de bigode as centenas de afirmações de que não concorrerá à presidência do Senado. O risco seria de perder sua principal característica física, mas, mesmo assim, não adiantaria. No Congresso, todos duvidam, até ofendendo o ex-presidente da República, mas política é assim mesmo. Fatos novos estão sempre acontecendo, em especial depois que surgiu o nome do senador Romero Jucá como indicado do presidente do PMDB, Michel Temer, para ocupar sua vaga no partido. Isso garantiria a eleição de Temer para presidente da Câmara. Seria uma espécie de compensação para os senadores peemedebistas votarem em Tião Viana, do PT, para presidir o Senado. Com todo o respeito, trata-se de uma meia-sola que dificilmente o Diretório Nacional aceitaria, muito menos as seções estaduais. Nem a totalidade dos senadores do PMDB.
Ontem terá havido encontro explosivo entre Michel Temer e o ex-presidente da Câmara e do PMDB, também ex-embaixador do Brasil em Portugal, Paes de Andrade. Temer havia prometido apoiar Paes para a presidência do partido, marcando eleições para um dia depois de sua escolha como presidente da Câmara. A situação mudou, parece que o compromisso, também. Mas uma eleição entre Romero Jucá e Paes de Andrade, no âmbito do PMDB, não teria surpresa, porque diretórios importantes como os do Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Minas, Ceará, Maranhão e outros fecham com Paes. Isso, é claro, sob o risco do aparecimento de fatos novos.
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